Bióloga aborda relação entre brincadeira e neurociência

Publicado em 22 de fevereiro de 2016 às 16:17
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“Quem estuda pedagogia é bombardeado por um monte de jargões [sobre o trabalho com as crianças] e entende que brincar é uma panaceia, serve para tudo. Falam no desenvolvimento da individualidade, da autonomia, mas para mim isso são generalidades.”

Essa foi uma das falas que a bióloga Vera Rita da Costa, autora de livros da coleção Ciranda, proferiu no início de sua palestra no Colégio Dante Alighieri na noite do dia 16 de fevereiro. Com o tema “Relação entre brincar e as Neurociências”, ela conversou com professoras da Educação Infantil e do 1º ano do Ensino Fundamental para oferecer informações um pouco mais específicas sobre o papel da brincadeira na vida das crianças. Para contextualizar suas explicações, ela falou do funcionamento do cérebro não só durante a infância, mas sim no decorrer da vida dos seres humanos.

Ainda na abertura da palestra, ela falou brevemente dos trabalhos de Sigmund Freud a respeito da psicologia comportamental, mas enalteceu principalmente os relatos de Charles Darwin sobre o crescimento de seus filhos. “Darwin estudou profundamente seus filhos, e os seus diários são muito interessantes para os pedagogos, pois ele já falava da importância da brincadeira para o aprendizado e para exercitar habilidades pré-existentes, algo de que a neurociência fala agora, mas de que ele já falava no século 19”, explicou.

Ela ressaltou que, para entender melhor os impactos da brincadeira, é necessário se aprofundar em diversos campos do conhecimento, como a neurociência, a antropologia, a filosofia e a biologia. “Brincar amplia a chance de sobrevivência da espécie, do aluno, do filho. Melhora as condições não só em aspectos psicológicos, como predispõe o corpo ao aprendizado”, explicou. “Animais que brincam têm desenvolvimento melhor do sistema nervoso. É o mesmo que se falava sobre alimentação, quando se dizia que criança que não come não aprende direito. Criança que não brinca também não aprende direito.”

Vera apresentou imagens do cérebro de diversas espécies animais para indicar como sua estrutura, a exemplo daquela apresentada pelo tubarão, não lhes permite senão um comportamento mais instintivo. “O cérebro do tubarão não permite o raciocínio. É um cérebro mais basal, reptiliano”, disse. Após considerações sobre o cérebro de porcos e crocodilos, cada qual com uma formação diferente, ela chegou ao cérebro humano. Deste, mereceram destaque as regiões do sistema límbico, que atua mais na parte emocional e “reage mais rapidamente”, e do neocórtex, “que processa dados e emoções de forma analítica, sendo mais lento, porém mais atento”.

Ela também lembrou que, contrariamente ao que se fala, não há separação entre “razão e coração”, ou “concreto e abstrato”. “O cérebro atua conjuntamente, mas a maior parte das pessoas trabalha mais na parte emocional”, disse. Segundo Vera, a causa disso pode estar no fato, por exemplo, de as pessoas expostas a graus maiores de violências cotidianas terem mais dificuldade em desenvolver a região do neocórtex. “Vivemos uma vida de estresse, e não temos tido chance para trabalhar a parte superior [o termo “superior” foi usado pelo fato de o neocórtex situar-se acima do sistema límbico]”, contou.

Ainda de acordo com a bióloga, o trabalho com a região mais emocional seria uma extensão do que o ser humano executa no início da vida, tendo em vista que “nascemos profundamente habituado às emoções, pois até os três anos reagimos principalmente a elas”. Só a partir dos quatro anos, em média, é que as “pontes” para a parte superior do cérebro começariam a ser estabelecidas. “É nesse período que as crianças começam a se expressar mais habilmente, a trabalhar com hipóteses, cogitar possibilidades”, disse. “Antes dessa idade, elas não costumam entender essas situações, nem processar esse tipo de pensamento.”

Falando especificamente das brincadeiras, Vera ressaltou a necessidade de se acompanhar o envolvimento da criança com a atividade lúdica. “Brincar e socializar é fundamental, mas é importante aproveitar para analisar o comportamento das crianças nesse momento, suas particularidades e preconceitos. Na brincadeira, às vezes, são explicitadas questões e valores que não desejamos. Por isso, é fundamental fomentar a brincadeira, mas acompanhando e avaliando as habilidades socioemocionais de todos”, explicou.

Ela também reforçou a ideia de que as crianças devem ser estimuladas a desenvolver a “ponte” entre as duas partes do cérebro, a emocional e a analítica, e aproveitou para criticar, de forma geral, o comportamento dos brasileiros no tocante à criação dos filhos. “Até que ponto o povo brasileiro, superprotetor, não prejudica o desenvolvimento da ‘ponte’ dos nossos filhos, que são mimados?”, questionou. “A partir de certa idade, a criança será capaz de usar a parte superior do cérebro, mas só se for estimulada. Se não houver estímulo, pode não usá-la.”

Outra crítica feita por Vera rebate a suposta expressão de ações predominantemente racionais por parte de crianças de zero a três anos. “Em geral, elas são condicionadas e imediatas nessa idade. Ainda que possa haver atitudes racionais, os adultos não podem criar expectativa com relação à existência delas no decorrer desse tempo”, disse. “Em minha opinião, quem taxa crianças de hiperativas antes dos três anos, por exemplo, está cometendo um crime.”

Entre as últimas observações da palestrante, destaca-se o entendimento de que o adulto é um modelo para as crianças, mas de modo muito mais impactante do que usualmente se pode imaginar. “O adulto é modelo, mas não simplesmente em questões de dar exemplo. Somos modelos mentais, e a forma com que a professora funciona em sala de aula, por exemplo, serve de referência”, explicou, aludindo, nesse ponto, aos assim chamados “neurônios-espelho”, que “fazem com que humanos imitem padrões de comportamento”. “Por esse motivo, o papel do professor em sala de aula é muito mais importante do que imaginamos”, concluiu.

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